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A NOVA ORDEM CIVIL

Prudente de Moraes, primeiro presidente civil do Brasil.
Museu Paulista.

ORDEM CIVIL

A nova ordem iniciada com a posse de Prudente de Moraes caracterizou-se pelo recuo dos jacobinos, pelo domínio dos civis, pela hegemonia da oligarquia cafeeira e pela política dos grandes estados. Ao longo do tempo, também foi abalada por crises políticas e por manifestações militares e populares.

O jogo político no país era controlado pelo Partido Republicano Paulista, através de suas articulações com o Partido Republicano Mineiro e de concessões às lideranças de estados menores. Tais acordos compunham a política dos governadores e a do café com leite. Isto não impedia que, em algumas ocasiões, as sucessões presidenciais e estaduais se transformassem em crises violentas.

Paulistas e mineiros se alternavam na presidência. Somente em duas ocasiões a escolha recaiu em candidatos de outros estados, para equilibrar as forças políticas: nas candidaturas de Hermes da Fonseca e Epitácio Pessoa. Os presidentes até 1930 foram eleitos, empossados e cumpriram os seus mandatos legalmente. Embora as disputas eleitorais, as lutas políticas acabassem também por envolver os militares, a sua atividade política diminuiu.

Nesse período, o país passou por transformações políticas, econômicas e sociais. A economia girava em torno do café, que dominava a pauta das exportações brasileiras. Suas crises se refletiam por toda a economia do país e o governo intervinha para garantir os preços do produto. Diminuiu o estímulo à industrialização. O país sofreu a influência das crises econômicas mundiais e das rearticulações entre as grandes potências, que culminaram na guerra de 1914-1918.

Houve alguma diversificação econômica, estimulada pela imigração e pela urbanização. A indústria recebeu algum impulso com a Primeira Guerra Mundial, porém, em geral, manteve as mesmas características. A sociedade também se tornou mais diversificada. Novos grupos se organizavam na defesa de seus interesses e movimento anti-oligárquicos começaram a questionar as práticas políticas da época. Os militares começaram a desenvolver a consciência de seus novos papéis.

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SOB O SIGNO DA CRISE


Manuel Vitorino Pereira foi eleito vice-presidente de
Prudente de Moraes pelo Partido Republicano Federal.
Museu da República.

A CRISE

As eleições para a renovação do Congresso e para a sucessão de Floriano Peixoto foram sucessivamente adiadas. O motivo alegado era a situação de guerra civil que o país atravessava. Porém, temia-se um golpe de estado para prorrogar o mandato do marechal.

A escolha dos candidatos foi articulado pelo Partido Republicano Federal: para presidente, Prudente José de Moraes Barros, tendo Manuel Vitorino Pereira como seu vice. Embora se negasse a intervir no processo de sucessão, Floriano Peixoto não aprovava os nomes escolhidos. Apontava para a possibilidade de Prudente de Moraes perseguir os seus correligionários. Sua preferência recaía sobre Rangel Pestana e o capitão Lauro Sodré, mas prometeu dar posse a qualquer que fosse o seu sucessor.

As duas eleições foram realizadas em 1 de março de 1894, com exceção dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Os resultados foram confirmados em 22 de junho, pelo Congresso Nacional: Prudente de Moraes eleito com 290.883 votos e Manuel Vitorino com 266.000.

Os batalhões patrióticos paulistas, que lutaram nas guerras civis, permaneceram aquartelados, esperando a posse. Prudente de Moraes chegou ao Rio de Janeiro no dia 2 de novembro de 1894, sem que autoridade alguma o viesse receber. Tomou posse dia 15 de novembro, sem a presença de seu antecessor e de nenhuma autoridade oficial do governo.

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O JACOBINISMO FLORIANISTA

O JACOBINISMO

A permanência de Floriano Peixoto no poder era defendida por alguns setores, que foram chamados de republicanos jacobinos. Provinham da classe média, do operariado, da juventude civil ou militar, do funcionalismo, dos positivistas e, principalmente, dos quadros do Exército. Seus integrantes se concentravam no Rio de Janeiro e em São Paulo. Eram radicais e nacionalistas, quase xenófobos. Defendiam uma república forte em oposição ao liberalismo. Detectavam ameaças monarquistas nas agitações do período, estendendo sua atividade até o governo civil de Prudente de Moraes.

As vitórias de Floriano Peixoto sobre os rebeldes despertaram a admiração quase fanática dos jacobinos. O presidente os estimulava - a eles atribuía o caráter de defensores da república contra o perigo constante da restauração monárquica e do desmembramento territorial.

Os jacobinos defendiam a manutenção de Floriano ou de outro militar no poder. Tinham profunda desconfiança das lideranças civis. Pressionavam para que as eleições fossem adiadas e para que o presidente não aceitasse o jogo eleitoral. Porém, não conseguiram evitar o encaminhamento dado à sucessão pelos paulistas. Mais tarde se manteriam como foco de oposição e hostilidade ao novo governo.

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A TRANSIÇÃO PARA OS GOVERNOS CIVIS

A TRANSIÇÃO PARA OS GOVERNOS CIVIS

O apoio do exército e das oligarquias representadas no Partido Republicano Paulista, à derrota dos movimentos armados na Marinha e no Sul, contribuíram para aumentar a popularidade e o poder de Floriano Peixoto. Seus adeptos mais radicais chegaram a pensar em mantê-lo no poder. O adiamento das eleições causava preocupações dentro e fora do país, porém, enquanto se dava a pacificação e a consolidação da República, as oligarquias cafeeiras se organizavam e preparavam a transição para governos civis.

Os principais beneficiados foram os republicanos paulistas. Apoiavam o governo em suas crises, mas insistiam que o processo sucessório seguisse dentro da legalidade. Pressionavam pela convocação das eleições, mas não hostilizavam o presidente. Francisco Glicério, ao mesmo tempo que garantia a maioria no Congresso para os atos do presidente, organizava um novo partido para promover a escolha do seu sucessor. Surgiu assim, a partir das lideranças estaduais, o Partido Republicano Federal, em abril de 1893. Neutralizadas as tendências continuístas, as eleições foram finalmente marcadas para 1 de março de 1894.

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OS INTERESSES ESTRANGEIROS

OS INTERESSES ESTRANGEIROS

A influência da expansão do capitalismo, a partir da década de 1870, fez-se sentir no Brasil no final do século. Isto se refletiu tanto no aumento da demanda externa para produtos brasileiros, especialmente café, quanto no crescimento das nossas importações e dos investimentos estrangeiros. Numerosos bancos estrangeiros foram fundados no Brasil.

Os Estados Unidos eram os maiores consumidores do café brasileiro. Porém, suas incursões diretas no Brasil foram modestas. Apesar da crescente aproximação política, as iniciativas para aumentar o intercâmbio entre os dois países falharam, como no caso do açúcar.

Os interesses britânicos predominavam na América do Sul. No Brasil, os investimentos ingleses se dirigiam de preferência para empréstimos ao governo. Destinaram-se primeiro à liquidação da dívida externa e à expansão ferroviária. Depois financiaram obras públicas, empresas de seguro e navegação, bancos, usinas elétricas e sustentaram o preço do café. Os ingleses também tomaram parte no processo de industrialização, principalmente como fornecedores de equipamentos. As principais firmas de exportação também eram inglesas.

As medidas financeiras do governo Floriano, a guerra civil, a aproximação com os Estados Unidos e o rompimento de relações com Portugal fizeram com que os europeus boicotassem a ajuda financeira ao Brasil. Os empréstimos ingleses só voltariam a ser feitos quando um civil ascendeu à presidência.

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Monopólio estrangeiro: mal do país

Existe corrente anti-imperialista anterior à República. Mas é após a proclamação que este sentimento se amplia, indo desde a denúncia dos males que acarreta até um combate consciente que se lhe move. Sílvio Romero, por exemplo, compreende lucidamente a ação açambarcadora dos imperialistas, como nos subtraem as riquezas (café) e que algum dia farão o mesmo com as fazendas.

A invasão da Venezuela (1902) e a questão do Acre levantam a indignação contra os ianques: Domingos Olímpio, Leão Veloso e outros mostram, depois de Eduardo Prado (1893), o cinismo e a brutalidade dos americanos; Barbosa Lima (1905) e Júlio de Mesquita (1915) temem o seu expansionismo, que se vinha dilatando cada vez mais.

Entretanto, é o caso inglês o mais discutido. A Inglaterra e a França eram os países que possuíam maiores capitais e interesses no país. Daí o combate contra o domínio estrangeiro significar fundamentalmente luta contra eles. Rui Barbosa, querendo prescindir do dinheiro estrangeiro; a campanha contra o monopólio da S. Paulo Railway, iniciada pelo senador Alfredo Ellis (1903); os ataques de Alberto Tôrres (1915) contra a espoliação de que éramos vítimas; e a programação anti-imperialista do jovem Partido Comunista (1922) representam algumas das fases desta luta.

A ninguém é estranho que as nossas indústrias nascentes acham-se todas monopolizadas na mão do estrangeiro da maneira a menos profícua para a comunhão brasileira; por isso que, além de ficarem elas reduzidas em expansão ao insuficiente desenvolvimento que lhes dão os seus possuidores, ainda os resultados desse desenvolvimento, isto é, a riqueza que tais indústrias originam não fica dentro deste país, mas transfere-se para fora dele com os seus possuidores.

Ninguém ignora que a manufatura, o comércio e o banco, esses três grandes departamentos da atividade humana, estão no Brasil na mão do elemento estrangeiro; e que a agricultura, que ainda é quase toda brasileira, já vai caindo nas mãos desses nossos senhores.

Ora, a nossa legislação, que garante a liberdade de indústrias e profissões com ab-rogação completa de privilégios e monopólios quaisquer, além de não ser praticada, refere-se tão somente ao elemento nacional, sem cogitar de nenhum modo do elemento estrangeiro; o qual fica, de tal arte, gozando de uma liberdade sem limites, que não é liberdade. Isto tem feito com que o estrangeiro se tenha apossado de todas as nossas indústrias, fazendo, não o monopólio de direito, que seria contrário à nossa organização política e que a lei não garante; mas o monopólio de fato, que é contrário ao nosso progresso e bem estar social e que a lei não limita.

Este descuido da nossa legislação não é novo: data de tempos imemoriais da Monarquia, que absolutamente não cogitava de estabelecer ou garantir a livre concorrência, cujas tendências democratizadoras e igualitárias opunham-se ao gênio centralizador da instituição monárquica.

E a República descurou completamente este fator importante da sua vitalidade, até certo ponto agravando o seu dano com uma tão vasta quão inepta naturalização de indivíduos que ficaram assim com duas pátrias, até o momento em que o imaculado Marechal Floríano Peixoto fez, com a maior audácia e o mais acendrado patriotismo a primeira tentativa de reivindicação da posse das indústrias brasileiras, devolvendo as credenciais ao ministro português e dando passaporte a todos os súditos daquele reino. Estava jogada a cartada; estava aberto o grandioso precedente; e nada mais restava do que enveredar naquele mesmo sentido com as modificações que aqui proponho, para que a nossa emancipação fosse completa e dentro de poucos anos toda a riqueza brasileira estivesse de fato na mão dos brasileiros. Infelizmente, porém, o seu sucessor, desfazendo todos os seus mais grandiosos atos, anulou também a nossa aspiração econômica, restituindo-nos de novo ao senhorio português; e hoje a indústria de transmissão, isto é, todo o comércio, tanto a retalho como em grosso, tanto interno como internacional, feito por vias terrestres ou marítimas, acha-se na mão do estrangeiro, acarretando assim todas as grandes desgraças que são o nosso flagelo e a nossa ruína.

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Sentimo-nos peados pelo monopólio estrangeiro que nos comprime por todos os lados. O capital destinado ao desenvolvimento das indústrias que hão de futuramente constituir a nossa riqueza é de fato de estrangeiros; mas é capital nascido no Brasil da exploração das nossas riquezas naturais e da nossa mesquinha agricultura, e não capital importado para fomentar o nosso progresso.

Esse capital, posto em circulação, incrementa a produção e constitui riqueza; mas é riqueza factícia para o nacional, por isso que o estrangeiro a monopoliza, - ou seja acumulando-a em moeda corrente que fica assim aparelhada para ser retirada da produção, ou seja monopolizando as indústrias de transmissão e as de transformação, ou seja monopolizando a propriedade territorial e predial.

Ora, todo o mundo sabe que o capital é o incentivo do trabalho, e que a concentração ou a inação dele é a redução ou a compressão do trabalho; mas como o trabalho é o agente direto da produção, segue-se que a sua redução é a redução da produção e portanto o empobrecimento do país. Assim, pois, o monopólio do capital é a origem da luta entre o capital e o trabalho ou mais propriamente, o falseamento da livre concorrência, cujos benefícios, de tal sorte, ficam completamente anulados.

A iguais desastres conduzem os monopólios das indústrias de transmissão e de transformação, por isso que os preços que elas assim estabelecem estão bem longe dos que seriam dados pela livre concorrência.

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Igual fato se dá em todo o comércio brasileiro e principalmente no Rio de Janeiro a cujo campo mais me cinjo pela natureza especial desta crítica. Todo o comércio a retalho é estrangeiro; de modo que a pressão exercida sobre algum nascente comércio nacional esmaga-o no nascedouro e estabelece como regra o monopólio, que é o falseamento da livre concorrência.

Ora esta desgraça vai afetar - de uma parte ao consumidor que gasta muito mais do que deveria com a livre concorrência, de outra ao produtor que, na impossibilidade de armazenar os seus produtos, sujeitos aos danos da decomposição orgânica que os insuficientes processos de conservação ainda não evitam, vê-se obrigado a entregá-los ao comerciante a retalho pelo preço insignificante que este lhe oferece, porque sabe que o desgraçado precisa de meios para saldar os seus compromissos e satisfazer as suas necessidades inadiáveis a fim de prosseguir na sua faina, e não tem outro mercado onde possa obter outros preços pelo fruto do seu trabalho.

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Eu entendo que já é tempo de nos emanciparmos definitivamente da vexatória servidão em que nos conserva o elemento estrangeiro todo, o qual, apesar da nossa emancipação constitucional, ainda é o nosso irrecusável patrão.

Urge, para o nosso progresso e dignidade, que deixemos definitivamente de ser colônia européia.

Fonte: CARONE, Edgard, A Primeira República (1889-1930), 1969, DIFEL, São Paulo, pp. 158 a 161. Consultar igualmente José D'Assis Brasil, O Atentado de 5 de novembro de 1897 contra o Presidente da República, pp. 86 a 89, 90-91 92-93 e 106.

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A Quase totalidade dos lucros da atividade econômica do Brasil vai para o exterior

É sobremodo doloroso o que vou demonstrar; mas, necessário é que a geração atual vá transmitindo às gerações vindouras certas verdades para que façam elas o que não soubemos ou não quisemos fazer. A situação do Tesouro melhorou, com efeito, em conseqüência da política financeira do governo passado; os nossos orçamentos têm se encerrado com saldos, cessando o regime do déficit, ao mesmo tempo que a elevação e a estabilidade da taxa cambial valorizaram um pouco a nossa moeda, a fortuna pública e particular, trazendo relativos benefícios ao comércio; mas, isso é quase nada ante o que nos resta de fazer.

Vivemos em um país em que os brasileiros não são em geral os detentores da fortuna particular, e no qual os lucros quase todos das múltiplas manifestações da atividade não nos pertencem, não ficam no país e, ao contrário, são transferidos para o exterior à custa de nossa produção agrícola.

Para remediar esse grande mal, que nos corrói, que retarda o nosso progresso, que impossibilita a nossa emancipação econômica, que nos escraviza à posição de colônia, necessário se faz conhecê-lo em toda a sua extensão.

Convém, pois, apreciar os recursos estrangeiros suscetíveis de emigrar, que se compõem de dividendos, de capitais colocados especialmente em apólices e dos lucros realizados pelo comércio e por empresas como sejam as companhias de seguros.

Basta lançar os olhos sobre a constituição do comércio brasileiro para verificar que sobre 100 negociantes cerca de 80 são estrangeiros. Já em 1897, na Capital Federal, havia 14.486 negociantes, dos quais apenas cerca de 3.000 eram nacionais. Em 1898, a porcentagem de estrangeiros subiu a mais de 80%, e daí para cá se tem agravado esse estado de coisas, pois que não incluo nesta estatística os estrangeiros sócios das casas nacionais. E isso que se dá no Rio, aqui na capital, dá-se em Manaus, Pará, Bahia, Recife, S. Paulo etc. etc.

Diante desse estado de coisas resulta que 75% dos lucros do comércio, quer importador, quer a retalho, passam para mãos estrangeiras, e admitindo que haja uma economia de 50%, o que é pouco, atentos os hábitos de poupança que têm as colônias estrangeiras entre nós, a soma disponível, só desta fonte de atividade, será de 37,50%.

Para que possam avaliar os que têm lido estes artigos, a ação que exerce sobre toda a economia social no Brasil o comércio estrangeiro, basta considerar o seguinte: admitindo uma despesa anual, por habitante, de 120$ ou 10$ por mês, média extraordinariamente módica e aquém da realidade, a despesa total em compras ao comércio pelos 18 milhões de habitantes, que possui o Brasil, é de 18.000.000 120$, ou 2.160.000:000$. Calculando o lucro médio em 20% ter-se-á cerca de .... 360.000:000$. Ora, se só o comércio estrangeiro representa 75%, o seu lucro será de 270 mil contos; e se admitirmos que haja uma economia de 50%, o lucro líquido, ou o capital disponível adquirido no fim de cada ano, será de 135 mil contos, prontos em sua quase totalidade a emigrar, porque a parte que aqui fica, se acaso se emprega em apólices e em prédios, os juros e aluguéis daí decorrentes também emigrarão.

Além disso, que já denota uma situação delicada, há ainda dividendos dos capitais empregados nas empresas, propriedades, ações de companhias, de bancos, de títulos públicos, lucros das especulações de câmbio, e a drenagem que por toda a parte fazem companhias de seguros estrangeiros, em tal extensão que não temos o seguro dos valores da nossa importação, dos valores da nossa exportação e até mesmo os seguros dos imóveis e de vida, pois que essas companhias nos arrancam todas as nossas economias, fruindo garantias e vantagens de que não gozam as instituições nacionais.

Por último, a República vai agravando este estado de coisas, já pela imprevidência de seus homens, que não querem olhar com atenção para isso, já porque o espírito brasileiro absorve-se nas questões políticas ou de caráter de interesse prático e econômico, que constituem hoje o nervo e o sangue de todas as grandes nações.

Como em Bizâncio, devoramos os anos nas lucubrações dos conchavos políticos para vencer e dominar, ou perdemos o tempo a discutir questões doutrinárias de filosofia e deixamos sem solução os grandes problemas que se ligam ao engrandecimento de nossa Pátria, à sua emancipação do estado de colônia, e se prendem à manutenção de nossa unidade étnica e de nossa nacionalidade.

Demonstrei já o avultado capital proveniente dos lucros comerciais e que emigra, e o mesmo poderia fazer para cada uma das manifestações da atividade entre nós.

Em relação a dividendos e lucros, basta dizer que, segundo um inquérito que o governo português mandou fazer, antes da queda do império, sua colônia possuía no Brasil mais da metade de todos os valores móveis e imóveis.

Este capital deve ser avaliado em mais de dois milhões de contos.

Ora, supondo que apenas a metade esteja colocada a juro de 5% ao ano, cerca de 50 mil contos, que, reunidos aos lucros líquidos do comércio, dão a soma colossal de 185 mil contos, sempre à espera de um câmbio favorável para emigrar.

Acrescente-se a isso que, hoje, grande parte do trabalho agrícola não é nacional, e aqui não fica uma larga parte do salário, exatamente porque, feita a abolição, não soubemos fazer a substituição do braço escravo pelo livre, nacionalizando o trabalho. Seja como for, é certo que estamos sujeitos a uma ação absorvente e permanente das forças vivas nacionais brasileiras, que tende a aumentar pela nossa imprevidência e incapacidade. É precisamente esta afirmação do poder monetário estrangeiro no seio de nós que dá a medida das dificuldades que haverá em reter aqui capitais sempre prestes a emigrar, porque, enquanto o comércio for constituído como está, enquanto houver toda facilidade para que, sem nada deixar-nos, as especulações sobre câmbios nos depauperem e a drenagem de nossas economias feitas por toda parte sejam transferidas para o exterior, impossível será organizar um regime monetário capaz de viver e de nos felicitar.

Não há regime monetário capaz de suportar a emigração de todos esses lucros fabulosos, e daí o dever de olharmos para a situação econômica do país com cuidado e critério, amparando tudo o que é nacional, criando óbices ao crescimento dessas remessas de toda a ordem que se fazem no estrangeiro.

Bem sei que um país novo como o nosso necessita, para progredir e aperfeiçoar a sua civilização, do concurso generoso do elemento estrangeiro. Bem sei que o homem de trabalho e de raça superior é para as sociedades a primeira e mais poderosa força econômica.

Bem sei que o elemento estrangeiro, especialmente o elemento português, o qual nos traz o trabalho e capitais, representa uma condição essencial para a nossa vida e para a nossa prosperidade. O que valem homens dessa ordem como força econômica sei eu, pela história, nos benefícios que à Espanha trouxeram os mouros e à França os huguenotes, e nos males que atormentaram a pátria de Cervantes com a expulsão dos primeiros, e a pátria dos enciclopedistas com a revogação do édito de Nantes.

Não é, pois, o sentimento nativista que me anima quando escrevo estas linhas, e sim um alto sentimento de patriotismo, que eu mesmo admiro em estrangeiros e portugueses, que aqui residem e vivem.

O que quero, o que desejo, o que entendo que devemos fazer é a nacionalização lenta e segura de todas essas forças; é a incorporação contínua de todos esses elementos, que nos vêm do exterior, por um conjunto de medidas que criem óbices à remessa para fora do país de todas as nossas economias, e que tenham o poder de ir aclimando aqui parte dos lucros, que, por sua atividade, estrangeiros e portugueses têm sabido criar.

É isso que fizeram os Estados Unidos, até mesmo com a colônia alemã, cujas qualidades de raça tão imprópria a tornam para essa adaptação.

Sou dos que pensam que grande parte dos males que sofremos vem da circulação fiduciária viciosa e da natureza da moeda que possuímos; que o maior número das desgraças que nos têm atormentado provieram da crise financeira que assoberbou o Tesouro, as instituições nacionais de crédito, a nossa produção, enfim; mas, também estou convencido de que será impossível dotar o país de um regime monetário sadio, sem que tenhamos modificada a situação econômica atual, sem que tenhamos transformado as condições em que se exerce toda a atividade econômica no Brasil. Se para isso o tempo é fator imprescindível, também preciso é uma larga política nacionalista, que ampare o que é nosso, e dificulte e diminua esse absenteísmo que nos corrói. Que todos os nossos homens públicos estudem, pois, essas questões, porque na solução delas está a salvação da Pátria e a manutenção da nossa nacionalidade.

Convençamos todos os povos de que, além da crise econômica, que nos assoberba, não há ainda uma outra maior, para a qual não temos remédio - a crise de homens.

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Classes dirigentes e capitalismo estrangeiro: a Mate Laranjeira

Tirante certa luta consciente contra o capitalismo estrangeiro, havia concordância e identidade entre as classes dirigentes do país e os interesses imperialistas. A aplicação de seus capitais em serviços públicos, energia, estradas de ferro, bancos, empréstimos e atividades agrícolas, traz benefício ao país. A divisão imperialista entre Inglaterra, França, Alemanha, Estados Unidos, apesar da Primeira Guerra Mundial, não cinde os grupos que mantinham o poder. É que embora haja ligações entre certos grupos e países estrangeiros, aquela rivalidade não repercute radicalmente entre n6s. Além disto, a aplicação de capitais representa facilidades de crédito à classe no poder e, em muitos casos, suborno (os exemplos são inúmeros).

O exemplo citado é típico: a Mate Laranjeira, da qual os Murtinhos são sócios, monopoliza o mate nativo em Mato Grosso. Seu imenso latifúndio, que possui exército, campo de concentração, escravos e moeda própria, vê em 1907 aproximar-se o fim de seu contrato com o Estado. A Assembléia estadual, liderada pela oposição, tenta impedir a prorrogação: mas esta é concedida até 1912, caindo finalmente em 1916. Diante desta situação e do perigo da invasão das terras Devolutas por rio-grandenses, os Murtinhos sugerem que estas, ricas em mate nativo, sejam entregues aos ingleses. Assim não haveria problemas e estes representariam estabilidade e segurança mútua.

Capital Federal, 25 de outubro de 1907.

Exmo. Sr. Amº Corel. Ponce.

Com quanto não tenha ainda recebido a carta, que espero de V. Exª explicando o motivo porque a Assembléia Estadual indeferiu o requerimento da empresa, sob a firma Laranjeira, Mendes & Cia. que recomendei aos amigos que tem a seu cargo a direção dos negócios do Estado, e V. Ex.ª em resposta a minha carta de recomendação, declara achar viável com as modificações que indicou e não afetam a essência da respectiva proposta, peço permissão para adiantar algumas considerações pertinentes ao assunto, e que me foram sugeridas por telegramas que daí recebi. Em primeiro lugar, não posso compreender como a orientação dos que têm a responsabilidade da situação dominante esteja subordinada ao que resolver a maioria dos amigos, como se pretende inculcar, pois isso importaria nivelarem-se todas as posições políticas, dando-se ao voto de cada correligionário o mesmo peso na balança das deliberações partidárias.

Ora, em qualquer agremiação política há ou deve haver um conselho diretor que, depositário da confiança do partido, tem a superintendência dos interesses comuns, e, como tal, pode pretender que suas resoluções sejam aceitas e obedecidas pelos amigos que o investiram naquele posto de confiança.

O contrário será a quebra da unidade na direção, e conseguinte anarquia e dissolução do partido. Assim pensando, entendi que o assunto a que aludi, e, de acordo com os amigos daqui que não podem deixar de ser havidos como próceres do partido, desde que lhes caiba larga parte na responsabilidade da situação, e recomendei a V. Exª como Presidente do Estado, e ao nosso ilustre amigo Sr. Cel. Pedro Celestino, Presidente da Assembléia, também membros proeminentes da coligação mato-grossense, desde que mereci a aceitação comum após certas alterações, não podia ser repelido pelo poder legislativo, que então seria o árbitro dos destinos de uma situação quando a outros cabe maior soma de responsabilidade nele, deslocando-se, assim, o centro da direção partidária. Foi, por isso, que assim me externei em telegrama que dirigi ao dito Cel. Pedro Celestino.

Acresce que a proposta submetida pela referida empresa à deliberação da Assembléia, além de consultar altos interesses do Estado, tanto no presente, como no futuro, conforme se demonstrou a meu ver cabalmente, na exposição de motivos que acompanhou, ainda viria facilitar a solução de um temeroso problema, que não pode deixar de preocupar a alta administração do Estado. Aludo à imigração rio-grandense que, de dia a dia vai se avolumando e estendendo pelo Sul do Estado, onde os adventícios tratam logo de ocupar terrenos devolutos pela facilidade que encontram, o que faz prever que, dentro de mais alguns anos, essa colônia dominará, pelo seu número e extensão, toda aquela região, constituindo por assim dizer, um Estado no Estado. E como o governo estadual, atenta a grande distância da sua sede para ali, e a dificuldade de comunicação, não terá meio para fazer sentir sua ação, a conseqüência será a possibilidade de freqüentes sedições, ou ao menos de resistência ou desacato ao poder constituído. Daí a palpável conveniência de certos centros de resistência àquela perigosa expansão, o que proporcionaria muito naturalmente e sem geral suspeita, o estabelecimento das empresas que se propunha fundar a Comp. Laranjeira; e seriam exploradas por uma companhia sucessora, organizada com capitais ingleses, pois as terras devolutas cedidas por compra ou arrendamento passariam a ser ocupadas pelo pessoal da sociedade anônima e assim não estariam à mercê dos primeiros ocupantes na corrente imigratória rio-grandense, que teriam de respeitar a posse mantida por uma companhia estrangeira poderosa que no caso de conflito, poderia provocar por via diplomática, a intervenção federal. Ocorre, assim, que a nova companhia tinha também em vista custear uma força armada criada pelo Estado para operar o policiamento da região em que tivessem de estabelecer as empresas. No entanto, é provável que por causa do receio de ser recebida pelos rio-grandenses a concessão requerida, fosse ela indeferida, quando sua outorga conjuraria o perigo iminente, que assim continuará a ser pesadelo da alta administração estadual, agravando-se gradativamente com ilusórios paliativos. Não quero estender-me mais sobre tão empenhoso assunto, e oxalá eu seja um pessimista! Peço o obséquio de mostrar esta ao nosso distinto Amº Cel. Pedro Celestino a quem a faço extensiva. Fico aguardando a carta de V. Exª que me trará esclarecimentos.

Com os mais cordiais cumprimentos me subscrevo.

De V. Exº Amº patrício obgº

Manuel J. Murtinho.


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INTERVENÇÃO E A REVOLTA DA ARMADA


Pintura da baía da Guanabara, palco de eventos político-militares.
"Revolta de 6 de setembro de 1893", de Luís C. Peixoto.


A Revolta da Armada.
Museu Histórico Nacional.

A Revolta da Armada eclodiu em 1893 e atingiu a reputação
brasileira perante os países estrangeiros.
Museu Histórico Nacional.

INTERVENÇÃO ESTRANGEIRA E A REVOLTA DA ARMADA

A rebelião da Armada provocou incidentes diplomáticos e ajudou a arranhar a imagem de estabilidade conquistada durante o Império. O Rio de Janeiro concentrava grande parte dos interesses estrangeiros e navios de várias bandeiras estavam atracados na baía de Guanabara. O resultado foi a intervenção das forças navais européias e norte-americanas com o intuito de evitar o bombardeio da cidade e garantir o livre comércio e a segurança de seus cidadãos.

À princípio os comandantes e os diplomatas mantiveram-se neutros, suspeitando das tendências militaristas de Floriano. Depois do bombardeio à cidade, ameaçaram desembarcar tropas. Esta atitude foi rechaçada por ambos os lados. Em 5 de outubro impuseram um acordo aos contendores, declarando o Rio de Janeiro cidade aberta e assumindo a fiscalização. Custódio de Mello se comprometeu a não bombardear a cidade e o governo a não provocar os rebeldes. Esta atitude levou a uma imobilidade que acabaria por prejudicar a revolta.

A posição dos Estados Unidos beneficiou a reação governista. A suspeita de restauração monárquica e de intervenção européia levou os norte-americanos a vender armamentos e navios ao governo, a ordenar aos seus comandantes que protegessem o desembarque de mercadorias e a ameaçar com o bombardeio da esquadra brasileira. Isto significou o rompimento do bloqueio e permitiu o fortalecimento das defesas nos morros e nas praias. A esquadra rebelde ficou isolada, sem armamentos e atacada pelas doenças.

O asilo concedido aos revoltosos pelo comandante Augusto de Castilho provocou incidentes com Portugal. Floriano exigia a entrega dos refugiados e, ante a negativa, chegou a apelar para a Inglaterra, que se recusou a intervir. As corvetas portuguesas zarparam para o Rio da Prata e Floriano Peixoto decidiu romper as relações entre os dois países.

"Manifesto de Saldanha da Gama: o monarquismo (7/12/1893)

Com a entrada de Saldanha na revolta da Armada findava-se seu primeiro período (6/9 a 9/12/1893). Este tempo fora de lutas e instabilidade para Floriano: a maior parte da esquadra revoltara-se; no Rio Grande do Sul continuava a guerra civil; Desterro estava nas mãos de revoltosos. Mas, civis e militares estavam do seu lado; o auxílio de Bernardino de Campos é essencial; grande o recrutamento de batalhões acadêmicos; parte da população do Rio era jacobinista; o exército não desertara e nem se dividira. E a presença de esquadra estrangeira (alemã, inglesa, francesa, americana e portuguesa) o ajuda, indiretamente. Em Pernambuco e outros Estados, as tentativas de revolta fracassam.

A participação de Saldanha representa o declínio da revolta na baía da Guanabara. Porém, ela significa também tendência de restauração monárquica.

Aos meus concidadãos.

Avesso por princípio e por instinto a toda a idéia de revolta, jamais entrei em conluios de qualquer espécie.

Hoje, porém, no doloroso momento histórico que atravessa a pátria brasileira e o próprio Governo são as mesmas circunstâncias do país que me impelem para a luta.

Aceitando esta situação, que me é imposta pelo patriotismo, reuno-me sem prévios conchavos, em pleno dia e pesando a responsabilidade que tomo, aos meus irmãos, que há um ano nas campinas do Rio Grande do Sul e há três meses na baía desta capital, pugnam valorosamente pela libertação da pátria brasileira do militarismo agravado pela contubérnia do sectarismo e do mais infrene jacobinismo.

Oficial da Armada, vou combater com a espada o militarismo, que sempre condenei toda minha vida. Brasileiro, é meu interesse concorrer com os meus esforços para pôr termo a este terrível período em que lançaram a pátria na anarquia, no descrédito, na asfixia de todas as suas liberdades.

A lógica assim como a justiça dos fatos autorizaria que se procurasse à força das armas repor o governo do Brasil onde estava a 15 de novembro de 1889, quando num momento de surpresa e estupefação nacional ele foi conquistado por uma sedição militar, de que o atual governo não é senão uma continuação.

O respeito, porém, que se deve à vontade nacional livremente manifestada aconselha que ela mesma escolha solenemente e sob sua responsabilidade a forma de instituições sob que deseja envolver os seus gloriosos destinos.

Ofereço a minha vida com a de meus companheiros de luta em holocausto no altar da pátria.

O exército, que se está debatendo com a sua proverbial bravura, não pôde mais persistir na defesa de um governo que perdeu o apoio moral da Nação e o crédito no estrangeiro. A sua obstinação nesse papel inglório ainda quando bem sucedida acabaria por transformá-lo de força nacional que é numa hoste pretoriano de baixa República.

O brado de nossa redenção política levantado nas fronteiras meridionais e que perpassou por Santa Catarina, Paraná, e S.Paulo até esta capital, já ecoou no extremo Norte.

Brasileiros, para apressar a vitória que é certa cumpre que lhe ponhais o selo, trazendo à luta o concurso de nossa influência moral. já é notório que a causa nacional em cuja defesa armada vou entrar, tem por si o apoio de todas as classes conservadoras da sociedade brasileira, daqueles que trabalham e produzem e que, aliás, relutam às sedições, motins e desordens.

Espero poder cumprir o meu dever de brasileiro até ao sacrifício. Cumpri o vosso!"

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Luiz Felipe de Saldanha da Gama, Contra-Almirante da Armada nacional. - Ilha das Cobras, 7 de dezembro de 1893.


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A REVOLTA ARMADA


Fortaleza de Santa Cruz, onde Wandelkolk ficou aprisionado.
Quadro de Batista da Costa, Museu da República.



A Revolta da Armada.
Museu Histórico Nacional.

A REVOLTA DA ARMADA

A perspectiva da sucessão presidencial se associou à revolução federalista para agitar novamente as forças armadas. A Marinha vivia em constante estado de insatisfação. Após a queda de Deodoro, o Contra-Almirante Custódio José de Mello pretendia suceder Floriano Peixoto. As divergências quanto ao tratamento dado à revolução federalista levaram-no a renunciar ao ministério. O clube Naval, por sua vez, elegeu como seu presidente o almirante e senador Eduardo Wandelkolk, ferrenho opositor de Floriano.

Wandelkolk tentou atacar, sem sucesso, o porto do Rio Grande, em auxílio aos federalistas em julho de 1893. Foi aprisionado e levado à Fortaleza Santa Cruz. A Marinha viu o ato como uma ofensa à corporação, mobilizando os seus oficiais para a revolta. Receberam o apoio de monarquistas, deodoristas, federalistas e das oposições em alguns estados. O veto à lei declarando inelegível o vice-presidente do quatriênio anterior confirmou as suspeitas de continuísmo. No dia 6 de setembro de 1893, o almirante Custódio José de Mello içou a bandeira branca da revolta no encouraçado Aquidabá, prometendo restaurar o império da constituição. Os revoltosos dominaram o porto e, no dia 13, começou o bombardeio da cidade do Rio de Janeiro.

O governo, contando com o Exército, com São Paulo e com a adesão popular, logo se organizou para a reação. O manifesto de tendência ajudou a mobilizar civis e militares. Os revoltosos abriram novas frentes de luta no sul do país, tomando o porto de Desterro, atual Florianópolis. A contra-ofensiva do governo foi violenta, incluindo decretação de estado de sítio, censura da imprensa, prisão de suspeitos e formação de uma nova esquadra.

Os rebeldes não conseguiram apoio em outras unidades da federação e sofreram derrotas. Impossibilitados de sair para o alto mar, e vendo negadas suas propostas de acordo, Saldanha da Gama e 525 companheiros se asilaram em navios portugueses. Daí foram para a Argentina e Uruguai, onde se reuniram como os federalistas e tramaram nova invasão. No Paraná e em Santa Catarina, Moreira César promovia perseguições e vinganças que terminaram em fuzilamentos e assassinatos. Em junho de 1895, Saldanha da Gama morreu na guerra do Rio Grande do Sul.

Em 1894, os legalistas infligiram sérias derrotas aos revoltados em Santa Catarina e na Campanha, culminando com a morte de Gumercindo. Sua tumba foi descoberta e seu cadáver mutilado. Os rebeldes recuaram para o Uruguai e Argentina a fim de se reorganizar. Após algumas incursões, tentaram nova invasão, sob o comando de Saldanha da Gama e Joca Tavares. Os revoltosos federalistas e da Marinha foram derrotados em junho de 1895.

"Proclamação do Contra-Almirante Custódio José (6/9/1893)

A Marinha não apoiara o golpe de 10 de abril de 1892, porém logo vai arrepender-se. Floriano encontra-se diante da revolução federalista no Rio Grande do Sul, iniciada em 2 de fevereiro de 1893, mas conta com o apoio do exército e dos Estados, depois de vencidas todas as oposições estaduais. A esta vitória parcial segue-se, porém, a exigência do Partido Republicano Federal de escolher o candidato à presidência (abril, 1893). Os jacobinos pensam em contrapor-se e indicar Floriano para a reeleição; a ajuda das oligarquias, no entanto, era o baluarte de seu governo, e a crise das candidaturas significaria o enfraquecimento de seu poder. Aquela decisão do Partido Republicano Federal leva Custódio a afastar-se do Ministério, pois pretendia candidatar-se.

Seu afastamento é seguido de atos de hostilidade ao governo: almirantes recusam substituí-lo; a Marinha abre subscrição pública para ajudar os revolucionários do Rio Grande do Sul; Wandekolk (6/7/1893) entra em contato com revolucionários rio-grandenses e tenta tomar o porto do Rio Grande. Finalmente, mesmo sem a adesão do Almirante Saldanha e com poucas ligações em terra, Custódio tenta obrigar Floriano a renunciar, numa repetição do 23/11/1891.

Concidadãos - O movimento revolucionário de 23 de novembro não teve outro fim senão restaurar o regime constitucional e a ação dos poderes constituídos que o golpe de estado de 3 de novembro aniquilava com assombro geral da Nação e, principalmente, de todos quantos eram responsáveis pela formação do governo republicano.

A ditadura de 3 de novembro não visou outros intuitos, com efeito que o da irresponsabilidade da administração na questão financeira da República: se por um lado acenava às ambições inconfessáveis e aos interesses menos legítimos, por outro abatia o caráter nacional, ludibriava-o fazendo crer que a Nação, incapaz de criar para si instituições livres, e de viver à sua sombra, recebera submissa e sem protestos o jugo de uma autocracia que era um vilipêndio e significava uma humilhação.

Sabeis a parte que a mim coube, determinada pelos acontecimentos, nesse memorável período da ação revolucionária contra o arbítrio do poder: servi a causa dos interesses populares de 23 de novembro; estive no posto que do meu pundonor como militar e da compreensão dos meus deveres cívicos, como brasileiro, a Pátria tinha o direito de exigir que eu ocupasse.

E se, depois desse dia, algumas parcelas da pública autoridade vieram até à modéstia do meu lar, não o foram pelas sugestões da própria vontade, mas pela responsabilidade política, que as vicissitudes da Revolução, criando uma nova ordem de coisas, determinaram.

No governo, e até quando a ele pertenci, procurei manter firme os meus intuitos patrióticos, sustentando com inquebrantável lógica a supremacia da Constituição e a submissão à Lei.

Nem um só dia se passou que, como ministro, eu não estivesse de atalaia em prol dos direitos e das liberdades populares contra a ação invasora e absorvente de uma forma de administração que, enfeixando nas próprias mãos todas as funções políticas da Nação, todas as manifestações da soberania popular, tendia, de arbítrio em arbítrio, de prepotência em prepotência, escalar todas as ameias dos poderes políticos e anular todas as regalias constitucionais.

Contra a Constituição e contra a integridade da própria Nação, o chefe do Executivo mobilizou o exército discricionariamente, pô-lo em pé de guerra e despejou-o nos infelizes Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Contra quem? Contra inimigo do exterior, contra estrangeiros? Não. O vice-presidente da República armou brasileiros contra brasileiros; levantou legiões de supostos patriotas, levando o luto, a desolação e a miséria a todos os ângulos da República, com o fim único de satisfazer caprichos pessoais e firmar no futuro, pelo terror, a supremacia de sua ferrenha ditadura.

Sentinela ao tesouro nacional como prometera, o chefe do Executivo perjurou, iludiu a Nação, abrindo com mão sacrílega as arcas do erário público a uma política de suborno e corrupção, sacrificando a autoridade que, em má hora, a revolução de 23 de novembro em suas mãos depositou.

A bancarrota já nos bate à porta; ela aí está com todo o seu cortejo de horrores e misérias.

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Oficial de Marinha, brasileiro e cidadão de uma pátria livre, ainda uma vez vou achar-me no campo da ação revolucionária para dar combate aos demolidores da Constituição e restaurar o regime da lei, da ordem e da paz.

Nenhuma sugestão de poder, nenhum desejo de governo, nenhuma aspiração de exercer mandatos por esforço violento da própria individualidade, me levam à revolução.

Que a Nação Brasileira possa e saiba exercer a sua soberania dentro da República, eis o meu desideratum, eis a cogitação suprema do meu espírito e de minha vontade.

Viva a Nação Brasileira!

Viva a República!

Viva a Constituição!

Capital Federal, 6 de setembro de 1893.

Custódio José de Mello"

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