Deodoro da Fonseca enfrentou uma crise política com a demissão coletiva do seu ministério no dia 20 de janeiro de 1891.
Museu do Exército.

Golpe de Estado do Barão de Lucena: O Presidente da República aos brasileiros (3/11/1891)

A união entre civis e militares desagrega-se cedo. Passada a euforia dos primeiros meses da República, surgem atritos cada vez mais profundos entre as camadas oligárquicas dos Estados - e seus representantes na Câmara e no Senado - e os elementos de Deodoro. Fato positivo a favor dos civis, e que torna esta luta mais radical, é o fracionamento das classes armadas, com a progressiva adesão, àqueles, dos partidários de Floriano e do Contra-Almirante Custódio José de Melo.

As divergências avolumam-se a partir da nomeação dos governantes dos Estados: com seu espírito autoritário, Deodoro, em parte influenciado por Custódio, escolhe nomes impopulares; o Partido Republicano Paulista, devido à nomeação de Américo Brasiliense, e mais tarde o Mineiro, com a queda de Bias Fortes, lideram as oposições estatuais. A tentativa de protelar a convocação da Constituinte motiva crise, resolvida pela ação de Rui. E o caso da garantia de juros às obras do Porto das Torres (Rio Grande do Sul) concessão dada a amigo pessoal do Marechal, resulta na demissão do primeiro Ministério (20/1/1891).

Esta crise dá novo alento à oposição no Congresso Constituinte. Prudente de Moraes, que fôra o aglutinador de tais forças, é apresentado como candidato à presidência da República; as eleições do dia 25 de fevereiro de 1891, vence-as Deodoro em parte graças à ameaça armada. Durante seu governo constitucional, continuam os atritos.

O Congresso Constituinte decretara sua transformação em Assembléia Legislativa Ordinária. Depois de várias tentativas de acordo, em outubro, o projeto sobre responsabilidade do presidente tramita apressadamente na Câmara e no Senado. Diante da ameaça de fechamento do Congresso, civis e militares tramam medidas de segurança, o que não impede que no dia 3 de novembro o governo consiga o seu intento, decrete estado de sítio e suspenda a Constituição.

Quando a 15 de novembro de 1889 coube-me a honra de assumir o supremo Governo da República, em virtude da proclamação solene do Exército e da Armada como altos depositários da vontade nacional, meu primeiro cuidado foi organizar a administração interna sob os novos moldes democráticos e preparar o País para o exercício da faculdade soberana de eleger os seus legítimos representantes, aos quais seria cometida a missão de discutir, emendar e aprovar a Constituição que era meu firme desígnio decretar, antes mesmo de expirado o período revolucionário, como ensaio e preparo do povo à vida constitucional.

O Governo Provisório providenciou, por todos os meios a seu alcance, para que as eleições, a que se devia proceder, se realizassem em plena paz, garantida absoluta liberdade na manifestação do voto. A Nação não era convocada tão somente para eleger representantes imediatos a uma nova assembléia legislativa; tinha que aprovar ou reprovar por modo solene e soberano a obra da revolução, isto é, da República.

Este elevado intuito foi conseguido, e o Brasil e o mundo puderam verificar que a República é a única forma de governo compatível com a livre América.

Reunida a Assembléia Constituinte aos 15 de novembro de 1890, a Nação passou a tratar da sua definitiva organização política, aceitando para base dos seus trabalhos a Constituição por mim decretada e promulgada aos 23 de julho daquele ano. Nesse documento eu procurei afirmar todo o meu amor à grandeza da liberdade e todo meu respeito à majestade do direito, consagrando a forma federativa, a divisão, harmoniosa e independente dos poderes políticos, a extensão e limites das atribuições respectivas, os direitos e deveres do cidadão brasileiro, bem assim as garantias constitucionais de que depende o concurso de todos para a manutenção da ordem e segurança da Nação.

À Constituinte pareceu que essa obra devia ser refundida e transformada chamando a si a faculdade não só de fazer-lhe os acrescentamentos compatíveis com os processos da ciência e da democracia modernas, como ainda a de concentrar nas suas mãos a faculdade, que lhe era estranha, do governo e administração do País.

Não tendo vingado esta última pretensão, que poria em perigo a segurança geral e abalaria profundamente a ordem estabelecida com referência a direitos adquiridos, aos atos inerentes à constituição industrial e econômica do País, formaram-se desde logo no Congresso Constituinte grupos radicais e intransigentes, para o fim de introduzir na obra constitucional idéias e princípios que transferissem para o Poder Legislativo a mais vasta soma de atribuições, embora diminuindo e absorvendo muitas das que são da essência e natureza do Poder Executivo.

Assisti impassível à longa gestação dessa obra inçada de perigos que se amontoavam à proporção que as idéias reacionárias, o desrespeito às tradições nacionais, o espírito de seitas filosóficas abstrusas, as inovações e as utopias iam penetrando nesse organismo destinado a servir à obra de bom senso prático, definido pelas grandes idéias de liberdade, direito, justiça e ordem.

Contra a autoridade que devia exercer o Presidente da República, recaíam os maiores golpes, justamente porque se acreditava que o ditador que havia fundado a República, sem efusão de sangue, e assegurado a ordem sem o emprego da tirania, pensava em transferir-se desta para aquela posição.

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Entretanto, como se toda essa obra, que é o orgulho da classe a que me desvaneço de pertencer, não representasse um patrimônio sagrado e um título de benemerência perante a democracia, e a história, ocorreu que a Constituinte ao encerrar os seus trabalhos com a eleição do Presidente da República, procurasse manifestar a sua reprovação à nossa vitória pacífica, levantando contra minha pessoa o espírito faccioso.

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As circunstâncias, porém, se agravaram, de modo a fazer-nos perder a fé nas nossas incruentas vitórias, apenas a Assembléia Constituinte, já eivada de ódios e paixões, passou a funcionar como Assembléia Legislativa ordinária. Desde então o País tem-se encontrado face a face com os maiores perigos, e não só a fé nas nascentes instituições republicanas tem se entibiado com as perspectivas mais ou menos próximas da anarquia, como, o que é profundamente grave, à mercê deste trabalho lastimável e funesto, tentam os adeptos das depostas instituições levantar a bandeira restauradora.

O momento escolhido para esse crime é o mais azado, como adiante demonstrarei, depois que houver passado em revista alguns dos fatos mais salientes da vida do Congresso com o Poder Executivo.

Todos quantos acompanham a marcha dos negócios públicos terão notado, que logo após a iniciação dos trabalhos legislativos ordinários, o Congresso assumiu, contra o Presidente da República e seus Ministros, posição inteiramente adversa e hostil. De semelhante procedimento, inspirado pelo menoscabo à Constituição votada, resultou o completo falseamento das instituições, assente sobre o regime presidencial, de todo em avesso às práticas do regime parlamentar.

A prova deste fato, que ao País causou dolorosa surpresa, a maneira por que se fez votar nas duas Câmaras um projeto de lei, em contravenção ao art. 50 da Constituição pelo qual as funções de Ministro de Estado, apenas incompatíveis com o exercício de outras, foram declaradas incompatibilidades absolutas, já para forçar alguns dos atuais Ministros a renunciar os cargos que adquiriram na magistratura vitalícia, já para privarem-se da faculdade, que me é conferida pelo art. 48 parágrafo 2º da Constituição, de nomear e demitir livremente os Ministros de Estado.

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Entenderam os adversários do Governo que infligiam derrotas à pessoa dos Ministros, elegendo o pessoal da sua mesa administrativa e de suas principais comissões pelo mesmo processo empregado nas câmaras monárquicas, isto é, escolhendo indivíduos, em sua quase unanimidade dos adversários irreconciliáveis do Governo. * Os Ministros, porém, fiéis à letra constitucional, nem solicitaram apoio, nem deram-se por menos fortalecidos com a presença dos seus mais intransigentes adversários na mesa administrativa e nas comissões, uma vez que gozavam e gozam da minha plena confiança e que o responsável pelos atos do Governo é o Presidente da República.

Alguns deputados não se achavam satisfeitos com a marcha política que ilustres Governadores, patriotas de reconhecido valor cívico, por mim nomeados, imprimiam na marcha dos negócios públicos. Para libertarem-se desse obstáculo não tiveram mais do que aliarem-se ao lado oposicionista da Câmara, e para logo foi votado um projeto que é outro atentado à Constituição, a qual confere ao Governo o direito de intervir na direção dos Estados enquanto não se acharem definitivamente organizados.

Freqüentemente a ação administrativa do Governo era embaraçada, e direi mesmo suspensa, em razão do pânico causado no espírito público pela apresentação de certos projetos reacionários.

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Na ordem dos acontecimentos graves figura a lei de responsabilidade do Presidente da República. Essa lei, iniciada às pressas no começo da atual sessão legislativa, discutida de afogadilho, falsa quanto aos princípios da ciência criminal, odiosa porque era feita expressamente contra o atual Presidente da República, eivada de uma casuística deprimente da moralidade dos poderes soberanos da Nação, não era por certo um monumento que devesse figurar nos nossos arquivos, atestando a sabedoria e previsão do legislador. Era o fruto de rancores mal dissimulados, que, a prevalecerem, arredariam da pessoa do primeiro magistrado da Nação, aquele grau de respeito e prestígio essenciais ao exercício nobre e digno de seu elevado cargo.

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Um outro recurso empregou a Câmara dos Deputados como arma de guerra contra o Governo, sem atender a que a primeira vítima sacrificada eram as nascentes instituições republicanas.

A pretexto de que a nossa situação financeira era a de completa ruína, e de que colossal déficit se verificava entre a receita e a despesa, a Câmara desorganizou a maior parte dos serviços criados, cortando ou suprimindo verbas indispensáveis à boa marcha da administração. Não contente com esse tropeço de ordem interna, a Câmara procurou romper com os laços de solidariedade internacional que tão cordiais relações nos faziam cultivar com as principais potências da Europa e América, suprimindo legações diplomáticas nesse momento em que o Brasil mais precisa de tornar simpáticas e estimadas as novas instituições.

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Não bastava destruir a prosperidade do Tesouro para suplantar o Governo; era lógico penetrar no comércio, advertir esta poderosa classe de perigos imaginários, convencê-la de que os bancos emissores perturbavam substancialmente a vida econômica do País e das indústrias, pelo excesso de papel fiduciário lançado na circulação, e que, mesmo dada a hipótese de equilíbrio entre a massa emitida e as necessidades reais das transações, faltava àquele instrumento base metálica ou títulos que o valorizassem. Chegou-se até ao recurso de atribuir malversação na administração da nossa principal instituição bancária emissora, e discussões se feriram nas duas casas do Congresso que acarretaram as mais profundas e deprimentes alterações no crédito público. Após as discussões vieram os projetos de caráter socialista, atentatórios de contratos bilaterais soleníssimos, incompletos nas suas providências, inexeqüíveis nos seus cálculos e conjeturas.

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Conhecida, como está, esta situação anômala, criada pelo Congresso Legislativo a favor dos inimigos da República, estes aproveitam-se por todos os modos das dificuldades e do pânico geral, para passarem despercebidos e hastearem no meio do clamor público a bandeira da restauração monárquica.

O Governo possui elementos para julgar do grau de procedência e adiantamento em que vão tais maquinações contra a República; sabe perfeitamente onde estão os adversários que afrontam a legalidade e a autoridade, certos de que tem por si as dissidências e anomalias do Congresso.

Contemporizei até agora. Se na crise em que se encontra a República eu não apelasse para a Nação, dissolvendo, como dissolvo o atual Congresso, eu seria um traidor à Pátria.

Manoel Deodoro da Fonseca

Presidente da República

Fonte: CARONE, Edgard, A Primeira República (1889-1930), 1969, DIFEL, São Paulo, pp. 17 a 22. Consultar igualmente Almirante Custódio José de Melo, O Governo Provisório e a Revolução de 1893, tomo I, págs. 59 a 72).


A CRISE DE 1891

O último ano do governo provisório foi marcado pela crise econômica e política, a qual se juntaram as questões relativas à constituição republicana. Tudo isso, finalmente, mostrou a fragilidade da aliança constituída em 1889 para comandar o país.

A demissão coletiva dos ministros, oficializada em 20 de janeiro de 1891, foi a conseqüência de seus conflitos com o presidente. Deodoro, rapidamente, formou um novo ministério sob o comando do Barão de Lucena, um velho monarquista que presidira a província do Rio Grande do Sul durante o Império e governara Pernambuco depois de 1889. Lucena tentou novamente a conciliação, mas os nomes escolhidos despertaram oposição: alguns eram desconhecidos, outros sem passado republicano e até mesmo monarquistas. A escolha afastou de Deodoro os republicanos históricos, as lideranças paulistas e o apoio da imprensa, além de dividir os militares.

A convocação, a instalação e a evolução dos trabalhos da Assembléia Constituinte trouxeram outros pontos de atrito. Em torno do presidente se uniram os que se opunham a um governo parlamentar, defensores da concentração do poder em um só homem de Estado e desconfiados da independência do legislativo. As forças políticas nos estados e a imprensa defendiam a legalidade constitucional e a afirmação do congresso.

Ao final da Constituinte, a escolha do presidente constitucional do Brasil acentuou essas divergências. Deodoro era considerado candidato natural, mas o episódio da substituição do ministério terminou com o consenso em torno de sua candidatura. Setores militares ameaçavam com a ditadura militar e com a dissolução da Constituinte, caso o Generalíssimo fosse derrotado. Os opositores se organizavam para resistir em caso da vitória do candidato civil, Prudente de Moraes. Deodoro foi vitorioso, porém, daí para a frente, enfrentou a hostilidade da oposição. A crise de 1891 transbordou para marcar os primeiros anos do governo constitucional.

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