O NOVO REGIME FINANCEIRO


O Encilhamento: decreto de 17/1/1890.

A República é recebida pelos países estrangeiros com desconfiança, que se revela numa baixa dos títulos brasileiros no mercado europeu. O plano de Rui Barbosa é prescindir do auxílio estrangeiro e seguir o exemplo americano, com a famosa lei de 1863, da qual decorreu pluralidade bancária e protecionismo, que ajudaram os Estados Unidos a tornarem-se grande potência industrial.

A aplicação desta lei retrata, porém, o desconhecimento das verdadeiras condições do país. Ainda assim, o Encilhamento representou fator de prosperidade e desenvolvimento da produção.

Desde 1888, com os Gabinetes João Alfredo e Ouro Preto, a situação financeira era próspera e o Império alargava o crédito. Rui dá continuidade a este desenvolvimento, apesar do hiato da mudança de regime. Para vencer os déficits advindos da nova política tributária - pela qual os Estados ficavam com a maior parte da renda - Rui cria os bancos emissores e a cobrança da taxa-ouro. Estes elementos representam proteção alfandegária e crédito fácil. O resultado é a proliferação assombrosa de sociedades-anônimas fábricas, estabelecimentos rurais, empresas comerciais, bancos etc.

Decreto Nº 165 - de 17 de janeiro de 1890.

Provê à organização de bancos de emissões.

O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, constituído pelo Exército e Armada, em nome da nação:

Decreta:

Art. 1ª Poderão emitir bilhetes ao portador os bancos, que se fundarem com autorização do Governo, e cujo fundo social for constituído com apólices da dívida pública, moeda corrente ou ouro, observadas as disposições seguintes:

§1ª O país dividir-se-á em três regiões, a saber:

a) a do Norte, compreendendo desde o Estado da Bahia até o do Amazonas;

b) a do Centro, compreendendo os Estados do Rio de Janeiro, S. Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina;

c) a do Sul, compreendendo os Estados do Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Goiás.

§ 2º. A cada uma destas regiões corresponderá um banco, cujo capital será:

Norte, com sede na Bahia, até ....................... 150.000:000$000
Centro, com sede no Rio de Janeiro até ........... 200.000:000$000
Sul, com sede em Porto Alegre, até ............... 100.000:000$000
450.000:000$000

Esse capital será realizado em prestações, nunca inferiores a 10%, e convertido em apólices, as quais se averbarão em nome dos respectivos bancos, com a cláusula de inalienáveis.

§3º. Os bancos terão sucursais ou agências nos pontos, que, de acordo com o Governo, forem julgados convenientes.

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§5º A emissão de bilhetes ao portador não poderá exceder à importância das apólices, que constituírem o fundo social dos bancos, nem a sua circulação ultrapassar os limites de circunscrição territorial de cada um. Os bancos, porém, terão conta entre si, para regularizar a passagem da moeda prata em praça.

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§7º. Os bilhetes emitidos em conformidade com as disposições deste decreto serão recebidos, e terão curso nas estações públicas, gozando das regalias conferidas às notas do Estado.

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§10.º Os bancos ficarão sujeitos à fiscalização do Governo, especialmente no que respeita à emissão, substituição e resgate dos bilhetes, por intermédio de pessoas nomeadas pelo Ministério da Fazenda, que lhes marcará atribuições fiscalizadoras e o respectivo vencimento, o qual não poderá exceder de 10:000$000.

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§11º O excesso, da emissão de bilhetes, além dos limites determinados neste decreto, importará:

a) para os bancos, a revogação do decreto de autorização e sua liquidação forçada e imediata;

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§14º Os bancos têm o direito de substituir as suas notas em circulação por outras, sempre que o julgarem conveniente, fazendo para esse fim anúncios por editais, publicados na imprensa de todos os Estados da sua circunscrição, nos quais fixará um prazo nunca inferior a seis meses. As notas, que deixarem de ser apresentadas, reputar-se-ão prescritas, e as quais forem substituídas serão incineradas em presença do fiscal do Governo.

Art. 2.0. Os bancos constituídos nos termos deste decreto poderão operar:

1 ) em empréstimos, descontos e câmbios;

2) em hipotecas a curto prazo, emitindo letras hipotecárias;

3) em penhor agrícola sobre frutos pendentes, colhidos e armazenados;

4) em adiantamentos sobre instrumentos de trabalho, máquinas, aparelhos e todos os meios de produção das propriedades agrícolas, engenhos centrais, fábricas e oficinas;

5) em empréstimos de caráter e natureza industrial para construção de edifícios públicos e particulares, estradas de ferro, e outras, cais, docas, melhoramentos de portos, telégrafos, telefones e quaisquer empreendimentos industriais;

6) em comprar e vender terras, incultas, ou não, parcelá-las e demarcá-las, por conta própria, ou alheia;

7) encarregar-se de assuntos tendentes à colonização, fazendo os adiantamentos necessários, mediante ajuste e contrato com os colonos, ou terceiros interessados;

8) incumbir-se por conta própria ou alheia de dessecamento, drenagem e irrigação do solo;

9) tratar do nivelamento e orientação de terrenos, abertura de estradas e caminhos rurais, canalização e direção de torrentes, lagoas e rios, e facilitar os meios necessários - mediante ajuste e condições - a qualquer cultura, criação de gado de todas as espécies e exploração de minas, principalmente de carvão de pedra, cobre, ferro e outros metais;

10) finalmente poderão efetuar todas as operações de comércio e indústria, por conta própria ou de terceiros.

Art. 3º. É concedido aos bancos fundados nos termos do presente decreto:

a) cessão gratuita, à discrição do Governo, de terras devolutas, na zona da sua circunscrição, para localização de colonos e fundação de estabelecimentos industriais de qualquer ordem;

b) preferência, em igualdade de condições, na construção de estradas de ferro e outras obras e melhoramentos projetados pelo Governo;

c) preferência em condições iguais, para exploração de minas de qualquer espécie, compreendidas na sua circunscrição territorial, e bem assim para exploração de canais e comunicações fluviais, que servirem às ditas minas, ou delas se avizinharem;

d) preferência em igualdade de condições, nos contratos com o governo sobre objetos de colonização e imigração na sua circunscrição territorial;

e) direito de desapropriação nos termos da Lei nº 816, de 10 de julho de 1855, e seu regulamento, que baixou com o decreto nº 1664, de 27 de outubro do mesmo ano, e bem assim isenção de décimas, impostos e direitos aduaneiros para os estabelecimentos industriais que fundarem, enquanto os houverem sob sua administração, e material de qualquer espécie, que importarem com destino e aplicação a esses estabelecimentos, estradas de ferro, exploração de rios, minas e outras fontes de produção.

Sala das sessões do Governo Provisório, 17 de janeiro de 1890. - Manoel da Fonseca - Rui Barbosa.

Fonte: CARONE, Edgard, A Primeira República (1889-1930), 1969, DIFEL, São Paulo, pp. 168 a 171. Consultar igualmente Vítor Viana, O Banco do Brasil, pp. 590 a 597.


O NOVO REGIME FINANCEIRO

A reforma bancária, implementada por Rui Barbosa, teve duas conseqüências importantes: em primeiro lugar, fez crescer a inflação e aumentar o custo de vida; em segundo lugar, provocou um grande movimento especulativo, seguido de uma onda de falências.

O crédito tinha se tornado fácil para financiar plantações de café e pagamento de mão-de-obra; para estabelecer novas indústrias e empreendimentos comerciais e agrícolas; para adquirir ações de empresas antigas ou das que se fundavam. Os bancos emprestavam dinheiro, o governo garantia os juros e indenizava em caso de insucesso. Nessa febre, novas companhias eram criadas e, antes mesmo de existirem legalmente, já negociavam ações na bolsa. Muitos se endividavam e apoiavam seus débitos em papéis que se revelaram podres.

Na Bolsa de Valores, eram negociadas febrilmente as ações de empresas recentemente criadas ou prestes a se formarem: estradas de ferro, bancos, fábricas, minas, estaleiros. Apareciam firmas fantasmas, que existiam apenas na forma de papéis, sem a menor perspectiva de sucesso. A expectativa de negócios fabulosos movimenta banqueiros, corretores e aumentava o valor dos títulos. A este período se chamou Encilhamento. O termo, tomado emprestado às corridas de cavalo, ligava a idéia de jogatina à competição entre as ações na Bolsa.

Novos ricos brotaram, mas todo esse dinheiro não gerou riquezas. O dinheiro fácil era reaplicado na especulação ou então ia para o consumo suntuoso, em lugar das atividades produtivas. Havia excesso de importações e o ouro fugia do país. A moeda foi perdendo o valor. O resultado foi a queda no preço das ações e a falência de empresas e de bancos, a desordem e empobrecimento das finanças públicas. Milhares de pessoas veriam suas economias tragadas pela especulação. A estabilidade logo se rompeu e a república teve de optar por uma política de austeridade.

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