OS MILITARES E A POLÍTICA

OS MILITARES E A POLÍTICA

Com a proclamação da República, o Exército e a Marinha brasileiros sofreram poucas transformações, em relação ao período anterior. Porém, as reformas militares dos governos republicanos e a renovação dos quadros das Forças Armadas acabaram por produzir modificações. Esse processo refletiu-se nas relações entre os militares e a política.

Além de possuir um efetivo e um quadro de oficiais bem maiores que os da Marinha, o Exército também crescia mais rapidamente. Seus contingentes mais numerosos estavam em regiões de fronteiras (especialmente no Rio Grande do Sul) e no Distrito Federal. Houve aumento das guarnições nos estados com maior poder político. A carreira no exército, freqüentemente, abria a única possibilidade de estudos a jovens de famílias menos favorecidas.

Os efetivos da Marinha se localizavam, majoritariamente, no Rio de Janeiro. Ao contrário do Exército, era considerada uma arma aristocrática, sem oportunidades de ascensão para indivíduos de cor ou de origem pobre. Seus oficiais eram brancos e saídos de famílias ricas; os marinheiros, muitas vezes recrutados à força, em sua maioria negros ou mulatos. Pela sua posição quanto à proclamação da República, foi a arma menos favorecida. Enfrentou um processo de declínio nos primeiros governos republicanos, especialmente em função dos conflitos e das revoltas.

A começar pela proclamação, os militares, principalmente o Exército, participaram ativamente da política republicana, quer como membros da administração quer através de intervenções armadas. O soldado era visto com o cidadão armado, com uma grande missão de civilização e progresso nacionais. Mas alguns oficiais já denunciavam os efeitos que essa posição poderia ter no interior da corporação. A instabilidade, a indisciplina e a rivalidade com os civis levaram os constituintes a estabelecer claramente limites à participação política dos militares. Decidiram que a força armada seria obediente a seus superiores hierárquicos, dentro dos limites da lei, e obrigada a garantir as instituições constitucionais. Mas não conseguiram afastar o Exército da política nem o perigo da intervenção militar. No futuro, lideranças civis buscariam os quartéis como fonte de apoio. Os militares por sua vez, iriam desenvolver novas concepções a respeito do seu papel na nação.



Reforma do ensino militar: a do "soldado político", abril de 1890.

A República vai modificar tardiamente o ensino militar. A tradição, a falta de iniciativa e o desinteresse pelas transformações mundiais fazem com que o exército repita a sua experiência imperial até 1907. Os oficiais ainda se dividem em científicos e tarimbeiros, isto é, os de cursos e os de carreira; as promoções são freqüentemente políticas; as Escolas Militares práticas são quatro, e na de Porto Alegre, por exemplo, só existe um velho canhão.

O Governo Provisório adota algumas medidas para resolver esta situação. As circunstâncias obrigam-no a fazer política: a lei da compulsória é favorável aos oficiais republicanos, pois aposentava os elementos monárquicos; a elevação de soldos é outra medida que satisfaz a oficialidade. No plano do ensino, desdobra-se a Escola Militar da Corte em Escola Militar e Escola Superior de Guerra, e cria-se a do Ceará. Estas decisões são seguidas do decreto de Benjamim Constant reformando o ensino militar. Os positivistas, que são a elite nos meios militares, agora vão marcar exdruxulamente este ensino.

O generalíssimo Manoel Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório dos Estados Unidos do Brasil, constituído pelo exército e armada, em nome da nação:

Considerando que é de urgente e indeclinável necessidade aperfeiçoar e completar tanto quanto possível o ensino nas escolas destinadas à instrução e educação militar, de modo a atender aos grandes melhoramentos da arte da guerra, conciliando as suas exigências com a missão altamente civilizadora, eminentemente moral e humanitária que de futuro está destinada aos exércitos no continente sul-americano;

Considerando que o soldado, elemento de força, deve ser de hoje em diante o cidadão armado - corporificação da honra nacional e importante cooperador do progresso como garantia da ordem e da paz públicas, apoio inteligente e bem intencionado das instituições republicanas, jamais instrumento servil e maleável por uma obediência passiva e inconsciente que rebaixa o caráter, aniquila o estímulo e abate o moral;

Considerando que, para perfeita compreensão deste elevado destino no seio da sociedade como o mais sólido apoio do bem, da moralidade e da felicidade da pátria, o militar precisa de uma suculenta e bem dirigida educação científica, que o preparando para com proveito tirar toda a vantagem e utilidade dos estudos especiais de sua profissão, o habilite pela formação do coração, pelo legítimo desenvolvimento dos sentimentos afetivos, pela racional expansão de sua inteligência, a bem conhecer os seus deveres não só militares como principalmente sociais;

Considerando que isso só pode ser obtido por meio de um ensino integral onde sejam respeitadas as relações de dependências das diferentes ciências gerais, de modo que o estudo possa ser feito de acordo com as leis que tem seguido o espírito humano em seu desenvolvimento, começando na matemática e terminando na sociologia e moral como ponto de convergência de todas as verdades, de todos os princípios até então adquiridos e foco único de luz capaz de alumiar e esclarecer o destino racional de todas as concepções humanas.

Resolve reorganizar o ensino nas escolas do exército pelo regulamento que baixa com o presente decreto e, onde são atendidos todos os meios para levantar o nível moral e intelectual do exército, pondo o soldado brasileiro a par dos grandes aperfeiçoamentos da arte de guerra em suas múltiplas ramificações sem desviá-lo de seus deveres como cidadão no seio do lar e no seio da pátria.

Palácio do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, em 14 de abril de 1890 - Manoel Deodoro da Fonseca. - Benjamim Constant Botelho de Magalhães".

Fonte: CARONE, Edgard, A Primeira República (1889-1930), 1969, DIFEL, São Paulo, pp. 249 - 250. Consultar igualmente Frederico de S., Fatos da Ditadura Militar no Brasil, pp. 280 a 284.

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